Quente.
Como assim ele não queria que fosse eu a
acompanha-lo no enterro? Eu conhecia Chris, e eu o amava como um verdadeiro
tio, e ele me amava como uma sobrinha! Ian sabia disso! E nem é por o
acompanhar no enterro, e nem por Ketlyn, é por ele ser covarde, é por ele não
ter o mínimo de consideração pelo fato de que eu possa me magoar ou não!
Ele não tem que ter cuidado com meu amor
por ele, ele tem que ter cuidado comigo! Mas nem isso... Nem consideração...
Nada.
Por mais que Ketlyn seja uma cadela, o que
eu deixo claro até mesmo para ela, ela é uma amiga e sempre foi, desde sempre.
Ela nunca fez muita coisa para eu me afastar dela, eu só me afastei de Ian.
Ela sempre me respeitou e nunca me tratou como Felip tratava Ian, muito pelo
contrário! Ela gostava de mim, e eu gostava dela, éramos felizes juntas, e isso
bastou e bastava para nos.
Alcancei meu celular e liguei para ela, no
quarto toque ela atendeu.
— Hey, Demetria! — ela estava animada, ela
arranjou alguém.
— Animada, hãn?! — ri maliciosamente.
— Não comesse, Demetria. Felip está na
cidade!
Sua queda por Felip a fez se quebrar, ele
não estava lá para a segurar em seu pulo insano que se chama ''amor''. Ao
contrário. Quando eu me quebrei, ele estava lá para mim, declarando amor
incondicional e que antes fora escondido.
Eu nunca olhei com outros olhos para
Felip. E por mais que ele seja lindo, por mais que eu estivesse acabada, eu não
o aceitei; por mais que ele quisesse, eu não o beijei, e por mais que Ketlyn
não merecesse, eu a respeitei. Ela nunca foi digna de respeito; quer dizer,
suas atitudes eram dignas de uma puta mirim, mas ela não tinha
culpa! Ela só queria se divertir e ser feliz! As pessoas nunca a respeitavam, e
quando uma pessoa fez isso com ela, ela também foi reciproca.
Éramos quatro.
Ian amava Ketlyn, Ketlyn amava Felip,
Felip me amava, eu amava Ian. Éramos um quadrado amoroso, um ciclo vicioso e
que foi rompido. Cada um foi para um lado. Estilhaços da Ketlyn me atingiram e
agora aqui estamos nos. Primeiro amor ninguém esquece.
— Sério? — agora eu estava duplamente
desanimada.
— Sim, sim! — piou. — Ele ligou para mim
pedindo seu número. — Oh merda! Esses homens tem o que na cabeça? Eles não têm
vergonha na cara? Repentinamente toda aquela animação dela desceu pelo ralo.
— E você deu? — eu rogava para que não!
Seu silêncio nervoso me respondeu.
Não.
Ufa!
— O que você fez, então?
— Eu falei que segunda-feira à noite você
estaria aqui no bar. — Não mesmo! — Você vem, não vem? — Não!
— Sim. — suspirei. — Por você.
Ela deu um gritinho no fundo, e eu podia
ouvir seus saltos batendo no chão em pulinhos afetados. Argh!
— Yeah! Eu te amo, Demi. — beijinhos
soltos me surdaram. Eu ri. Como eu podia ser amiga de uma pessoa como essa?
— Eu sei que sim. — gargalhei novamente, e
ficamos assim por um tempo, fazendo nossas barrigas doerem de tanto rir.
É, é por isso.
— Eu te devo uma. — lembrou. — Agora tenho
que desligar, senão eu vou me atrasar para o trabalho. Vá me visitar no bar
quando puder, é fim de semana, Demi! Você merece sair, não espere por Ian.
Olho para o relógio e são seis e meia da
noite. Ela entra as sete, e eu sei que ela ainda vai se atrasar.
Não sei se me arrependo de um dia ter
contado para ela sobre Ian, ou não. De qualquer jeito, ela ainda pensa que meu
primeiro beijo foi com qualquer outro menino.
— Tudo bem, depois me liga para me contar
seu plano. — ela riu pela minha evasiva e me soltou um beijo, soltei outro para
ela e desligamos.
Eu poderia jurar que esvaziei todo meu
pulmão com o suspiro que dei, mas eu não me importei, deitei minha cabeça no
travesseiro com um sorriso de orelha a orelha sabendo que eu teria um plano
também daqui para lá.
E esse plano não envolveria Realidade.
E muito menos me deixaria com um gosto
azedinho com salgado na boca.
Minha mãe entrou no meu quarto e eu estava
na cama enquanto mexia no celular.
— O dia já se passou, já é noite e você
continua de pijama, Demetria. — eu não sabia bem se ela estava brigando ou não,
mas mesmo assim eu decidir rir descarada, sentando-me na cama e deixando o
celular de lado. — E continua na cama...
Quando ela chegou no lado da mesma, seu
olhar capturou o saco de Realidades que ainda estava em minha cômoda.
— Não me julgue, é final de semana e eu
estou em casa, na minha cama e de pijama; eu já deveria estar bêbada à uma hora
dessas se eu fosse uma pessoa normal com mais de 20 anos na cara.
— Não exagere. — abanou o ar.
— Não estou. Ketlyn me chamou para ir visita-la
no bar, e ambas sabemos que o plano dela não era só uma visita. — minha mãe
soltou o ar.
— Você sabe o que eu acho da Ketlyn. —
Sim, eu sabia. Mães... Ela enxergam tudo. Só bastou uma olhada para minha mãe
saber que Ket era uma má influência.
— E a senhora também sabe que ela é uma
das minhas poucas amigas. — a lembrei, ela mexia em meu travesseiro tentando tirar as rugas do mesmo.
Oh!
Ela não estava ali para falar sobre Ketlyn.
— E eu sei que a senhora não está aqui
para falar sobre ela.
Seus olhos de jabuticaba olharam para mim,
varrendo meu rosto com sua preocupação. Suspirei, passando minha mão por minhas
coxas tentando tirar as celulites da mesma enquanto minhas bochechas coraram.
Ian.
— Você gosta dele? — mas ela já sabia da
resposta...
— Eu o amo. — e eu também; desde os 12
anos.
Minutos se passaram e eu finalmente criei coragem e olhei para os olhos da minha mãe, e eu pude ver, por mais que
ela gostasse de Ian, por mais que ela tivesse um sorriso mínimo em seus lábios,
não era essa a resposta que ela queria ouvir. Talvez um ‘’ eu acho que sim.’’,
ou um ‘’ Sim, eu gosto.’’, mas não um ‘’ Eu o amo.’’, e muito menos um ‘’ Eu o
amo’’ com a convicção que eu falei. Mas o que eu podia fazer? Essa era a única
certeza que eu tinha.
— Mas ele não ama você, não é? — eu voltei
meus olhos as minhas coxas, funguei, pigarreei para ver se o nó na minha
garganta sumia, então eu a olhei novamente e seus olhos refletiam as lágrimas
dos meus.
— Não. — e eu acho que o som não saiu,
ficou preso na minha garganta, mas ela soube.
Senti uma gota atravessar minha bochecha e
rasgar meu coração, esperei minha mãe a secar, mas ela não secou; esperei minha
mãe tirar essa dor de dentro de mim com um abraço, mas ela não tirou; esperei
minha mãe preparar água com açúcar para mim, mas ela nem se levantou da cama.
— Eu sinto muito. — pigarreou, e seu olhar
não conseguiu sustentar o meu, voltando-se para meu travesseiro.
Funguei e passei meu punho pela minha
bochecha, depois pelos meus olhos e ajeitei minha postura, minhas costas
estralaram, pigarreei novamente, tragando o nó que tinha na minha garganta.
— Eu também. — seus olhos voltaram para
mim, um sorriso de lado atravessou seu rosto e ela sorriu orgulhosa.
Eu sempre fui um soldado para ela.
Nunca me ninaram para eu dormir.
Nunca me acariciavam quando eu acertava.
Sempre quando eu estava com minha mãe, ela
era como um sargento e eu o seu soldado.
Eu via desse jeito.
Quando eu caia, eu não tinha uma mão para
me ajudar a levantar; mas ela sempre estava lá, com a postura ereta, as mãos
cruzadas atrás do corpo me olhando de cima enquanto eu estava suja de lama e
machucada no chão, meu rosto traçado em lágrimas de sangue, pedindo seu perdão
sem mesmo eu ter errado. Mas ela sempre estava lá, me olhando enquanto eu
gritava de dor, com algum osso fora do lugar ou até mesmo meu coração, me
olhando ganir enquanto eu o trazia de novo para o lugar como um cão com a pata
quebrada.
Sim!
Quando eu conseguia me levantar, ajeitar a
postura, minhas mão para trás do meu corpo, e mesmo com o rosto ainda traçado de sangue eu batia continência, e ela sorria orgulhosa.
E mesmo que essa não fosse uma recompensa
ou um consolo, eu não podia viver sem o seu sorriso orgulhoso pela minha dor.
Por que esse seu sorriso não é por minha dor ter passado, e sim por eu
conseguir me erguer mesmo com ela me pesando e me matando a cada passo, a cada
sorriso.
— Aquilo... — minha mãe começou, ela
estava querendo ser sutil. — Era ciúmes?
Oh não. Aquilo era tudo, menos ciúmes.
— Bem que eu queria! — minha voz se ergueu
em exasperação. — Por mais que eu saiba que Ian sempre amou Ketlyn, eu não consigo
ter ciúmes dele ou inveja dela por ele querer ela e não eu. — e agora ela
estava sorrindo para minha repentina irritação. Ela queria que eu sentisse
raiva. Que eu reagisse! Eu não daria isso a ela. Suspirei, e como se tivessem
furado meu pinel, toda minha raiva e indignação foi saindo por ali. — Eu o amo,
mas eu não o quero para mim. — engatei a primeira marcha, abrindo um sorriso. —
Eu sou burra o suficiente para saber que por ama-lo eu deveria querer ele
para mim, mas também sou esperta o suficiente para não o querer mais depois dele já ter me
decepcionado.
Me estiquei na cama e consegui alcançar o
saco de Realidades, puxei um bolinho de dentro dele, enfiando um na minha boca
e não me importando se era muito grande para a mesma; minha mãe enfiou uma
mão no saco e pegou um, mordendo; tentei mastigar mais uma vez e aquilo
realmente não iria dar certo. Salivei, e logo em seguida me engasguei,
derrubando o saco na cama eu corri até o banheiro e derramei tudo que estava na
minha boca dentro da privada, junto com o que também estava dentro de mim. As
palmas das minhas mãos foram para as laterais do vaso sanitário, minha garganta
ardendo e meu rosto em chamas enquanto minhas costas arqueavam, tudo voltando
pela minha boca sem ser pronunciado nenhuma palavra.
O beijo.
Ketlyn.
O convite.
Minhas pálpebras se apertaram e eu senti
meu cabelo ser suspenso, minha mãe esfregando minhas costas.
Oh!
Minhas lágrimas também foram parar dentro
da privada, e ali de repente era o lugar certo de tudo aquilo.
O gosto azedinho e salgado na minha boca?
Agora não passava de um gosto ruim na mesma, amargo e enferrujado, vômito.
Meus pulmões se forçaram entre si em busca
de ar, mas eu não conseguia respirar enquanto vomitava. Forcei minha garganta atrás de mais para derramar, me esvaziar; pensei em enfiar meu dedo na
garganta, mas eu também era esperta o suficiente para saber que isso seria
burrice.
Nada além do que um liquido amarelado e
escasso saiu pela minha garganta, e agora eu estava vazia; realmente vazia.
Continuei pendendo em cima da privada por meus braços, eu chorava copiosamente,
minhas costas se convulsionando sob meu corpo em pequenos espasmos agora não
por causa do vômito, e sim por causa do choro.
O choro é vomito dos olhos, colocando tudo
para fora que a boca não colocou.
Com um braço me enlaçando, minha mãe me
puxou para si, me guiando até a cama e se deitando na mesma comigo, deixando
minhas costas inquietas baterem em seu peito enquanto sua mão esfregava o meu,
me lembrando de quando ela fazia isso comigo quando eu era mais nova. Não
precisei me virar para saber que em seus olhos haviam lágrimas, e isso me fez chorar
mais.
Depois de longos minutos, limpei minha
boca suja com o lençol, deixei minha mão lá; eles estavam quentes.
— Você quer agua com açúcar? — minha mãe
perguntou, ainda me abraçando, suas mãos em minha barriga.
Sorri, descendo minhas mãos para as suas em
meu corpo, deixando lá.
— Eu deveria querer. — comecei, e com seus
lábios pressionados em minha nuca eu pude saber que ela estava sorrindo.
Sorrindo orgulhosa de mim. — Mas eu não quero.
Levei suas mãos para meus lábios e as
beijei, deixando-a sentir meus lábios quentes, logo depois voltando-as para
minha barriga também quente.
Continua...
Maybe I come back to myself.
Talvez eu volte para mim mesma.
I don't know, I... I... I lose myself! (...) Crazy?
Eu não sei, eu... Eu... Eu perdi a mim mesma! (...) Louco?
In collapse.
Em colapso.
~Possível short.
Ou eu deveria dizer... Shot (Tiro)?